domingo, 4 de março de 2012

MISSÃO, VAIDADE E RESPONSABILIDADE


                          “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
                         E deseja o destino que deseja
                         Nem cumpre o que deseja,
                         Nem deseja o que cumpre...
                         Que a sorte nos fez postos
                         Onde houvemos de sê-lo
                         Cumpramos o que somos
                         Nada mais nos é dado...”
                                         (Fernando Pessoa)

   Esse poema, do nobre poeta lusitano, nos lembra algo que está sempre em pauta desde que nascemos.
   Muito se fala de cumprirmos uma missão nessa vida. Muitas pessoas, principalmente as que acreditam na espiritualidade, crêem estar encarnadas, aqui em nosso planeta, para realizarem alguma tarefa necessária ao seu desenvolvimento espiritual. Entretanto, há outras que, mesmo sem estarem preocupadas com o destino do espírito, acham-se, ou mais que isso, desejam, sentir-se participantes especiais dessa nossa jornada humana na Terra. Nos dois casos, estamos buscando um motivo que dê sentido à nossa existência, percebendo que, sem ele, cairíamos no vazio do acaso, esse acaso que a ciência defende, cheia de autoridade, quando afirma que viemos do nada para coisa alguma.
   No entanto, a consciência de não estarmos aqui por acaso e de que a nossa história possa possuir um roteiro que teria sido escrito por uma força maior, invisível, quiçá divina, tende a nos deixar vaidosos e orgulhosos diante dessa nobre missão, pois acreditamos que, embora construída por nós mesmos, em vidas que se sucedem num processo infindável de evolução e purificação, essa história tem origem sagrada. Se, além disso, nossos feitos nos transformarem em alguém realmente diferenciado no mundo em que vivemos, numa pessoa fora do comum, carismática, poderosa (no bom sentido) que atraia para si a atenção e a admiração das outras, o que pode vir a acontecer, diante desse perigo, é exacerbarmos o orgulho e a vaidade, crendo ou não em vidas sucessivas e na sacralidade de nossa origem. Qual seria, então, a saída? Ora, pensam os de boa índole, devemos evitar esses sentimentos, considerando-os prejudiciais ao trabalho espiritual e ao bom caráter. Parece fácil, mas sabemos que não é. Não aprendemos ainda como ser, humildemente, um excelente profissional, um líder, um mestre, um médium, um artista, um Guru ou outros personagens mais que alcancem fama e sucesso em nosso meio. E mesmo quando defendemos algumas teorias de como vivermos as melhores virtudes, na prática tendemos a ser fracos e desejamos, sem dúvida, sermos apreciados, coisa que acreditamos significar sermos amados e que, na realidade, pouco tem a ver com amor, muitas vezes, pelo contrário.
A admiração alheia pode vir com uma pontinha de despeito e inveja, é tolice imaginar que venha sempre acompanhada de afeto; em casos extremos, vide John Lennon... Ser admirado nem sempre quer dizer ser aceito, portanto, não deveria ser motivo de vaidade, bastaria o prazer e a alegria com as próprias realizações, mas nosso ego não resiste, buscamos elogios e nos iludimos diante dos aplausos.
   Já conheci pessoas radicais em relação a isso, cheias de angústia e de dúvidas diante da própria fama e do sucesso e já ouvi outras dizerem que, no caso de alguém sentir-se orgulhoso demais do que faz, deveria praticamente renunciar ao seu papel e recolher-se à sua insignificância, para fugir da soberba que pode criar novos carmas e prejudicar sua evolução. Para quem acredita em tarefas a serem cumpridas, se não conseguirmos alcançar a humildade e nem realizarmos os desígnios superiores, vamos continuar em dívida. Essas pessoas criam um  dilema doído que pode trazer insegurança, medos e sentimentos de culpa, deixando um gosto amargo em cada conquista, sem perceberem que, se em nada nos ajuda o excesso de vaidade, pior ainda é o excesso de autocrítica.
  Muitas vezes a necessidade de reprimirmos alguns sentimentos   considerados “maus” pela sociedade, e que são naturais ao ser humano, nos provoca sofrimentos inúteis. A repressão só faz sentido se nosso comportamento representar um prejuízo real para os outros. Diante disso, podemos concluir que, ao nos sentirmos responsáveis por realizar bem a nossa trajetória terrestre, talvez não possamos fugir de vivenciar um pouco de orgulho e também de uma, ainda que tola, vaidade, contanto que não resultem em desrespeito e menosprezo por nossos semelhantes. Agirmos assim sempre será melhor do que  lutarmos contra a nossa missão nesta vida, missão da qual, de uma forma ou de outra, somos devedores e que precisa ser completada, por mais simples e anônima que seja. Mas se fizermos disso um dilema, fica a pergunta sobre qual seria a nossa maior responsabilidade, sermos o que viemos ser neste momento, mesmo sem conseguir vencer a tirania do ego, ou permitirmos que os excessos de críticas e repressões das nossas fraquezas humanas paralise o fluxo energético do nosso destino no planeta Terra.
   Alguém tem alguma resposta para essa questão crucial ou devemos aceitar a que já se encontra no poema citado no início?

  “Cumpramos o que somos, nada mais nos é dado...”
                                                            (Fernando Pessoa)

  Que o nosso amor pela vida e pelo que ela representa, inspire e oriente cada um de nós a encontrar sua missão e sua resposta, se possível, humildemente... ou, pelo menos, livre das penas do pavão!

 Rosa Carmen

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