segunda-feira, 2 de julho de 2012

PARÁBOLA


    O BODE EXPIATÓRIO (Caper Emissarius)



        Havia, há muitos anos atrás, uma pequena Aldeia construída por um grupo de pessoas que, juntamente com seus familiares desenvolveram uma comunidade pautada em princípios e ideais muito elevados. O local era aprazível e era considerado abençoado e protegido pelos deuses. Possuía, além de um governante, alguns mestres e sábios e um conselho de anciãos, que eram tidos como os “grandes” da aldeia. O povo vivia em relativa paz, de vez em quando, apareciam algumas turbulências fáceis de resolver. Mas com o tempo e o aumento da população, tudo foi ficando mais difícil, as pessoas começaram a se desentender, a competirem entre si, a lutarem pra conquistar poder, a criarem intrigas, a armarem ciladas para derrubar uns aos outros. Pararam de cooperar com as instituições vigentes e se negavam a pagar os impostos. Assim, foram se afastando cada vez mais dos bons valores defendidos durante anos. Necessitavam ser reeducados.
        O governante fez discursos para o povo lembrando dos princípios e tradições  que sempre nortearam a comunidade. Os mestres, os sábios e o conselho de anciãos trataram de levar a todos as suas mensagens, nas escolas, nas casas, nos templos e até nas praças, exortando as pessoas a agirem com justiça, dignidade e solidariedade entre elas. Falaram, falaram...e nada mudou.
        Um certo dia chegou à aldeia um homem simples, quase um mendigo, mas que trazia consigo, além de uma mochila, uma velha viola. Ele se instalou em um cantinho da praça principal, ficava por ali sem nada pedir, observando as pessoas. De vez em quando dava uma volta por outras partes da cidade. Tocava e cantava lindas canções. As crianças curtiam muito a presença daquele forasteiro, pois além da música que alegrava a todos, gostava de contar histórias para elas, que sentavam ao seu redor e se encantavam com as aventuras criadas por ele mesmo. Seu jeito suave, desprendido e receptivo despertava a confiança das pessoas e algumas, mais solitárias, chegavam até ele para lhe falar de seus problemas. O homem foi descobrindo aos poucos, através de tudo o que ele via e principalmente pelas conversas e comentários que ouvia, o que de mais importante estava faltando naquele local. Com o tempo, cada vez mais sentia-se fazendo parte daquela gente e, pensando em ajudar, começou a dizer, nas canções que cantava, o que causava os problemas que existiam entre todos. Suas letras falavam da necessidade de afeto, respeito, cooperação, confiança, fé e amor. 
        Mesmo percebendo que o governante, os mestres, os sábios e os anciãos  tentavam manter e preservar as tradições e valores do seu povo e o faziam com muito amor por aquela gente, o homem achava que deveria se referir a todos em seu canto, para não fazer diferença entre eles e seu povo, temendo criar possíveis desavenças. Como os achava pessoas muito nobres e mais conscientes e evoluídas que a maioria, pensou que entenderiam sua atitude pacificadora.
    A partir daí, as suas canções, sempre em tom alegre e bem humorado, começaram a incomodar cada vez mais a maioria da população adulta, que não estava interessada em ouvir conselhos e muito menos em fazer qualquer mudança. Até que um dia alguns aldeões se juntaram e foram procurar os “grandes” da cidade e lhes disseram: “É um absurdo o que está acontecendo, esse estranho está nos criticando, falando mal de todos nós, inclusive de vocês, pessoas de bem, nobres e de muito valor, que sempre nos ajudaram, educaram e protegeram. Quem ele pensa que é? Temos que nos livrar dele e vocês verão que tudo vai melhorar.” Apesar da falta de lógica, essa afirmação surtiu o efeito desejado. Imediatamente eles se convenceram que realmente era um absurdo aquele homem chegar na aldeia deles fazendo tais observações, como se quisesse dar-lhes lições, orientá-los. Logo eles, sempre justos e generosos, que todos esses anos se sacrificaram e deram tudo de si para aquela aldeia, com o maior desvelo e afeto. Sentiram-se ofendidos por aquela pessoa e irritados com sua petulância. Como se atrevia? Esse estranho só poderia querer desuni-los, ele era a causa de todos os problemas surgidos na aldeia.
        Diante disso, ninguém pensou em nenhum momento em tentar se aproximar do estranho menestrel e conversar com ele, olhá-lo nos olhos, perscrutando sua alma, procurando saber porque alguém usaria sua arte, sua energia e seu tempo lhes trazendo mensagens... contando lendas para as crianças e cantando os males daquele local. Se agissem desse modo, poderiam, quem sabe, entender o que aquela pessoa significava e porque chegara até eles.
        Mas, apesar de preocupados com tudo o que estava acontecendo ao seu redor, a vaidade falou mais alto, pois aquela pessoa não fazia parte de suas tradições. Precisavam e queriam silenciá-lo, sendo assim resolveram expulsá-lo da aldeia. Mas ao tentarem avisá-lo que deveria ir embora daquele lugar, já não o encontraram mais em lugar nenhum da cidade e ninguém o havia visto saindo de lá. Simplesmente desaparecera, como se a vontade dos governantes em se verem livres de sua influência sobre a população, o sentimento de rejeição contra ele e o medo de enfrentarem a própria sombra tivessem o poder de afastá-lo dali.
        Depois disso, só restou a tristeza dos solitários, um enorme silêncio nas praças da cidade e o desencanto nos rostos das crianças... e tudo continuou como antes encaminhando a vida dessa Aldeia para a desagregação total...


        MORAL DA HISTÓRIA:

        Quando, em tempos de crise, temos nossas feridas comuns expostas e tentamos esconde-las, ofendidos e magoados, fechando os olhos aos problemas, fazendo de conta que tudo está bem, cheios de orgulho, preocupados apenas em defendermos nossa própria imagem aos olhos do mundo, vamos projetando nos outros as nossas dificuldades. Buscamos, fora de nós, os responsáveis por nossos fracassos e desânimos, assim corremos o risco de não enxergarmos a salvação e perdermos uma grande oportunidade de realizarmos, juntos, profundas transformações, pois não reconhecemos o valor das mensagens que nos chegam, não ouvimos a voz interior, o canto vindo da alma, que pode nos trazer as bênçãos, a visão das melhores soluções e a cura dos males, não apenas das nossas mazelas, mas de toda uma comunidade.”


         Paz, Amor e Unidade.

        Rosa Carmen


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