HAVERÁ SALVAÇÃO?
“Embora um homem saia mil vezes em batalha contra mil
homens, só quando conquista a si mesmo é o maior dos conquistadores.”
(Provérbio Budista)
Podemos não saber ao certo a origem da vida terrena, a razão mais
profunda
de existirmos, nem qual será nosso próximo destino após essa passagem pela
Terra, mas sem dúvida, aterrissamos aqui como aprendizes e, entre tudo mais que
não sabemos e precisamos aprender, a lição mais importante é de como nos
relacionarmos bem uns com os outros e com a Natureza, é a base para que a nossa
sobrevivência nesse planeta seja minimamente razoável e cercada de algum bem
estar. É também a lição mais difícil de todas...
Sobreviver no planeta
Terra tem dependido da inteligência e da capacidade de adaptação do homem ao
meio ambiente, mas o equilíbrio da nossa existência por estas bandas depende
muito mais dos nossos sentimentos e emoções.
Atualmente estamos no
auge da era da comunicação que se expande cada vez mais, ao infinito, nos
unindo uns aos outros por todos os lados numa rede de ligações fantástica. No
entanto, o aumento desse poder tecnológico tem suas consequências e pode nos
proporcionar muitos gostos e desgostos de acordo com nossas atitudes ao nos
relacionarmos com o mundo que nos rodeia. Essa imensa teia se encontra ao
dispor da nossa vontade de estar em contato com os outros seres humanos e, sem
dúvida, desejamos e esperamos que esses contatos possam ser os mais agradáveis
possível...
Dá pra imaginar que
alguém aprecie ficar o tempo todo sozinho?...A não ser, talvez, alguns eremitas
especiais...gente fora do comum, pois nem os monges do Himalaia se isolam, eles
fazem seus trabalhos unidos em comunidades bem estruturadas. Ter ao nosso lado
uma companhia que nos agrade é um dos grandes prazeres da vida, gostar de
alguém e ser querido...amar e se sentir amado é uma dádiva indescritível, porém
as relações estão cada vez mais superficiais. É lógico que não precisamos
cair de amores por todo mundo, simpatizar ou ser amigo de todas as pessoas,
agir como uma madre Teresa de Calcutá ou um São Francisco de Assis. Por mais
que tenhamos boa índole e bom caráter, poucos chegam a esse ponto. Além do que,
gostar ou ser gostado pelas pessoas não é apenas uma escolha é também destino,
vemos bem isso nas sinastrias entre mapas astrais das pessoas, onde as
possibilidades de haver afinidades ou desavenças aparecem claramente, mas os
problemas existem para serem resolvidos e sabemos que não vale a pena, nos faz
mal, vivermos em eternas disputas, guardarmos raivas, mágoas, rancores. São
muitas as dificuldades para manter sempre um bom clima nos relacionamentos e
todas elas surgem do nosso egoísmo, orgulho e necessidade de controle sobre os
outros. O bom entendimento só pode acontecer através de diálogos calmos,
sinceros e de uma boa dose de tolerância e desprendimento, é preciso, além de
falar o que se pensa, saber ouvir o outro, procurar não só defender o nosso
lado mas também entender os motivos alheios e, principalmente, não querermos só
receber, há que saber doar. A falta de noção de como somos egocêntricos é uma
constante, todos queremos receber mais e mais...alguns, sem limites...mas
pouquíssimas pessoas têm paciência de ouvir, de dar atenção ou sequer se
importar com as outras. Já repararam como cada vez mais não se para de falar
para ouvir? Claro que reparamos, é fácil nos incomodar com o outro, difícil é
vermos esse comportamento em nós mesmos. Desejamos muito ser felizes em nossa
vida afetiva mas parece que não percebemos que relacionar-se com prazer e
alegria só é possível numa troca constante entre os dois lados, nesse campo
nada funciona de forma unilateral.
Quando
vamos acreditar que cooperar e contribuir é muito melhor, para todos, do que
competir? Parece bobagem repetir esse chavão, ouvimos isso o tempo todo, mas
continuamos nos dividindo e criando toda espécie de grupos divergentes ou, no
mínimo, competidores, podem não brigar entre si, mas também não se unem, porque
cada um se acha superior ao outro e pensa que pode sobreviver sozinho!
Esquecemos que somos todos, bem ou mal, de uma forma ou de outra, necessários à
vida na Terra. Não estamos juntos aqui por acaso... esse é outro chavão ao qual
não se dá crédito, muitos acham que surgimos do nada, sem razão de ser, nascemos
para, no máximo, sairmos derrubando o que virmos pela frente sempre em busca de
atingir algo que nem sempre sabemos bem o que será. Mesmo quando
parecemos conscientes do valor das boas virtudes, como cooperação, honestidade
(em todos os sentidos), generosidade, bom caráter, afeto...muitas vezes estamos
esperando que essas virtudes venham de fora, sem nos esforçarmos para
vivê-las... Este é um mundo de polaridades, onde o bem e o mal convivem
igualmente dentro de nós e ao nosso redor, é uma grande ilusão pensarmos que
enquanto estivermos aqui, neste planeta, poderemos ser perfeitos. Somos seres
duais, nós e o Universo que nos cerca até onde conseguimos conhecê-lo. Não há
como fugir do nosso lado mau, pois tudo aquilo que negamos em nós permanece na sombra
e tende a crescer desmesuradamente, de mansinho, bem escondido, sem
percebermos, surgindo nos momentos mais inesperados, tomando conta do nosso ser
por inteiro e se expressando através de nossas ações, sem nenhum controle de
nossa parte.
Para que haja escolha,
sem sermos controlados pelo inconsciente, não podemos ter medo de enfrentar o
combate, entre o “Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, que acontece em
nossa alma. Essa é a Grande Obra da qual fugimos sempre, encarar os deuses e
demônios que habitam nosso templo interno.Mas não adianta nos defendemos o
tempo todo, ainda que haja um profundo sofrimento ao termos a total consciência
da nossa realidade interior que nos traz culpa e desânimo por nos sentirmos
quase impotentes diante dela. Ignorá-la, no entanto, nos faz projetar a maldade
para fora, afastando-nos de nossos semelhantes, vendo-os como prováveis
inimigos e raciocinando sempre de um jeito que, se isso ou aquilo está ruim
para mim, a culpa é dessa ou daquela pessoa ou situação. Ao tentarmos ignorar o
nosso lado sombrio vamos jogando o nosso lixo nos quintais vizinhos e essa
atitude, quase geral, tende a criar um circulo vicioso que não permite a
ninguém saber depois de onde vem o mau cheiro!
Ultimamente, de tanto
ouvir falar sobre o possível fim do nosso mundo, resolvemos, aqui em casa,
rever alguns filmes antigos sobre o tema. Atualmente esse tipo de filmes se
refere a ameaças vindas do espaço (por meteoros, planetas ou por seres
alienígenas) e os mais antigos diziam respeito à guerra fria entre Estados
Unidos e União Soviética e a destruição da humanidade pelos efeitos da
bomba atômica. Sejam as guerras entre os povos terrestres ou com alienígenas,
todo esse ódio e essa violência absurdos e desnecessários dizem respeito às
relações competitivas e agressivas entre seres considerados racionais e
inteligentes. Chegamos à conclusão de que esses filmes deveriam ser vistos,
constantemente, por todas as pessoas do nosso planeta! Talvez, só assim,
começássemos a perceber o quanto poderemos, um dia, nos arrepender amargamente
por termos sido tolos e estúpidos devido ao nosso orgulho, à nossa vaidade, à
necessidade de competirmos, à ganância excessiva, ao desejo de poder e de nos
sentirmos superiores aos outros, de desprezarmos nossos semelhantes e nossa Mãe
Terra, como se não fizéssemos parte deles... Precisamos acordar,
despertar o mais rápido possível, nos dar conta da nossa participação nesse
processo, porque, além das claras más intenções de alguns, as grandes guerras
se formam de pequenas desavenças e desentendimentos de muitos, da falta de
comunicação ou de várias comunicações tortas, destemperadas e mal resolvidas e
de extremo egoísmo. As raivas, descontroles e desequilíbrios de todos nós agem
como energias nocivas que vão se acumulando, formando um bolo venenoso até
explodirem igual bombas mortíferas pelo mundo afora.
Sabemos que faz bem
vencermos nossos medos, mas é bom dizer que estamos cada vez mais precisando
sentir medo! Vamos ver e rever esses filmes e vamos deixar surgir o medo...não
o temor de que agentes externos possam nos destruir ou os medos neuróticos de
enfrentar a vida, que nos paralisam e impedem nosso desenvolvimento
pessoal...precisamos, sim, ter medo, antes de mais nada, de nós mesmos, dos
nossos sentimentos egoístas, mesquinhos, invejosos e agressivos e sermos
conscientes de quanto eles podem ser maléficos para todos. Podem gerar doenças,
criar conflitos, guerras e destruições, alimentados pela falta de fé e
confiança de que somos uma totalidade que deve ser preservada em conjunto e
nunca dividida em partes estanques.
A história da humanidade
mostra ser inerente à nossa natureza o estado emocional belicoso, a necessidade
de competir e a facilidade de criarmos conflitos. Nossos egos competitivos,
vaidosos e ciumentos, ainda tão tolos e imaturos nos fazem competidores por
nada, por coisa alguma, até com a nossa própria sombra, a externa e a
interna...e presos nessa ilusão, esquecemos o quanto temos a ganhar em saúde,
bem estar, alegria e paz, com a simples troca de afeto, solidariedade e carinho
se nos sentirmos realmente iguais e unidos! Mas, repetimos sempre, estamos aqui
para aprender...e, de um jeito ou de outro, vamos seguindo, já que a vida
dos encarnados na Terra apresenta-se com muitas perturbações, angústias,
sofrimentos diante da ignorância do que somos e a que viemos. Nossa visão é
muito limitada, conscientemente desconhecemos os maiores mistérios da
existência. O Universo que nos rodeia é um tremendo mistério, como o é o que
trazemos em nosso intimo e, se não buscarmos conhecer e entender melhor esse
universo interior (o microcosmo), dificilmente conheceremos o macrocosmo, de
onde viemos, pois ambos estão ligados, encontram-se dentro e fora, ao mesmo
tempo. Apesar de haver várias teorias tentando explicar e orientar nossa estadia
neste planeta, encarar o mistério da chegada ao corpo físico e da inexorável
partida é ainda um grande desafio para a frágil condição humana.
Não existe perfeição
neste mundo, mas precisamos, pelo menos, aprender a conviver com as nossas
contradições, tentando realizar uma união fraterna dentro do nosso ser
dividido. Ao alcançarmos maior paz interior e nos sentirmos mais íntegros
através de uma atitude amorosa e tolerante conosco, naturalmente ela se
estenderá às pessoas com os quais convivemos. A emoção do encontro com o outro,
seja agradável ou não, nos ensina muito sobre nós. O outro é nosso espelho, sem
ele não seríamos bons nem maus, nem feios nem bonitos, nos faltariam
referências.
Uma vez o filósofo
existencialista Jean Paul Sartre disse uma frase que à primeira vista nos
choca: “O Inferno é o outro”. Logo que li achei terrível, mas depois
pensei que, em parte, essa ideia faz sentido, pois são os “outros”
que podem nos julgar, magoar ou nos desprezar e ignorar, e mesmo assim, nós
desejamos sua atenção e seu carinho, ansiamos por seu reconhecimento e
respeito. É um prazer compartilhar alegrias, projetos, esperanças, conhecimentos
e amor, é uma tristeza não sermos queridos, ouvidos, aceitos e respeitados.
Podemos não ligar para as opiniões alheias mas queremos seus aplausos.
Amamos ou odiamos, rejeitamos ou desejamos nossos semelhantes, eles são nossa
luz e nossa sombra, nos dividem e nos completam. Faltou ao filósofo
acrescentar, na sua frase, que as outras pessoas são também “nosso Paraíso”.
Formamos um conjunto que desenhou um caminho sobre a Terra, como um
quebra-cabeças onde as peças se encaixam e necessitam umas das outras para se
transformarem num Todo!
Alguém ainda duvida que
estamos aqui, entre outras coisas, para termos esse encontro e, através disso
descobrirmos quem somos, realizando uma missão e aprendendo a compartilhar e a
amar? Fala-se muito em missão como sendo algo fora do comum, mas é apenas um
“dever a cumprir”, é o que nos é dado fazer aqui, mesmo que nem todos façam. Há
quem diga que estamos passando por um processo de limpeza e amadurecimento em
nossa mãe Terra, antes de nos reunirmos à Totalidade, sem restrições. Seja ou
não verdade tal afirmação, se não batalharmos para que essa estadia terrena se
realize de forma mais amena, terminaremos encarcerados numa Torre de
Babel...Esta é a melhor imagem que encontrei para exemplificar o que parece nos
esperar ao final dessa jornada se continuarmos caminhando de forma tão egoica e
inconsciente... E desta forma não haverá qualquer meio de comunicação capaz de
nos libertar, pois estaremos presos por nosso próprio ego.
Precisaremos de muita
garra e coragem para nos desvencilharmos das amarras do nosso ego sem nos
perdermos dele, mas carinhosamente uni-lo às profundezas do Self. Se
conseguirmos ver essa batalha como sendo parte da vida, sem maiores dramas,
assim como se reconhecermos e aceitarmos quem verdadeiramente somos, esse será
o primeiro passo para começarmos a enfrentar nossos medos e descobrir que somos
capazes de nos tornarmos pessoas melhores e de amarmos plenamente.
E assim caminha a
humanidade...caminha não, corre cegamente, sem rumo certo... Sem perceber que
há um grande risco de ela mesma destruir a raça humana. E o que podemos fazer
para evitar essa tragédia não é nenhum bicho de sete cabeças, basta apenas
cultivar quatro sentimentos em relação ao nosso próximo: Respeito,
Consideração, Afeto e Compaixão... já é um bom começo até chegarmos ao Amor que
idealizamos.
Quem sabe um dia nos sentiremos mais seguros e responsáveis,
podendo olhar para dentro e, num diálogo amoroso com nossa alma, com
sinceridade e coragem, dizer: ”Mea culpa, mea culpa... mea maxima culpa...” ? E
daí em diante, talvez já próximos da loucura ou da santidade... descobrirmos
quanta Luz e Harmonia existe no meio das sombras que nos assustam...Oremos!!!
Enquanto esse dia não
chega, continuamos nossa jornada, entre dores e alegrias, a caminho da
totalidade, passando pelo Inferno e pelo Paraíso do encontro com o outro, o
nosso semelhante: o inimigo, o algoz, o competidor ou o amado, o amigo, nosso
irmão...
O que seremos para ele é
nosso Fado!
O que ele será para nós,
é nossa Escolha!
Afinal, somos os donos
da nossa história...
Rosa Carmen
"Procure conhecer
primeiro a si mesmo, pois você é a cidade, e a cidade é o reino" (Papiro Oxyrinco II, de
um Manuscrito apócrifo cristão.)